Norte do Paraná

Postado dia 12/12/2016 às 05:44:01

Edilaine Rech, de Santa Mariana: da cadeira de rodas para o pódio

Encontrar Edilaine Maria Vidotto Rech, 40 anos, em Cornélio Procópio, não é tarefa difícil. Basta chegar ao campo esportivo da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR) ou nas margens da BR-369, para vê-la praticando seu esporte preferido: a marcha atlética. Magra, alta e com traços frágeis, quem a olha não consegue imaginar que aquela mulher franzina conseguiu um feito histórico em uma das provas mais difíceis do atletismo: foi a primeira do Brasil e da América Latina, e a 11ª do mundo, a concluir a marcha de 50 km. 

Até ano passado, a Marcha Atlética de 50 km era a única prova do atletismo exclusiva para homens. "Diziam que as mulheres não aguentariam, por conta do desgaste excessivo. Usavam argumentos de 1930, afirmando que poderíamos perder o útero. Foi uma luta de muitos anos, de várias atletas como eu, para conseguirmos o direito de disputar também esta modalidade", conta Edilaine. 

Até 2015 as mulheres podiam marchar até 20 km. A primeira competição de 50 km feminino ocorreu nos Estados Unidos, em novembro de 2015. Ao todo, foram cinco competições e apenas 13 mulheres no mundo conseguiram concluir a prova (Edilaine é a única da América Latina). 

A marca de Edilaine foi registrada em Londres, no dia 2 de outubro deste ano. "Eu vinha me preparando há um ano, mas semanas antes sofri uma lesão. Treinava para fazer a prova em 5h, mas por conta das dores, concluí em 5h31min, sou a 11ª no ranking mundial." A marca foi homologada pela Confederação Brasileira de Atletismo em 2 de novembro. O recorde mundial feminino nesta prova é de 4h34min. O tempo médio dos homens profissionais é de 4h10min. 

Edilaine, que treina marcha atlética desde a adolescência, estava habituada às marchas de 5, 10 e 20 km, obtendo várias conquistas, entre elas três medalhas no Mundial de Marcha Atlética de Porto Alegre, em 2013. "Foi lá que conheci a americana Erin Taylor, grande fomentadora da prova dos 50 km nos Estados Unidos. Fizemos uma lista de atletas interessadas – eram poucas em todo o mundo, mas o suficiente para iniciar uma corrida. Nossa meta agora é chegar a 80 atletas até o fim de 2017." 

O foco de Edilaine atualmente é a Copa Brasil, que acontecerá em março de 2017. "Será a primeira marcha de 50 km feminina realizada no Brasil. Eu vou participar e quero baixar meu tempo", afirma. Ela acredita que terá duas concorrentes, uma de Santa Catarina e outra de Brasília. "São poucas, mas o importante é começar e aos poucos consolidar nosso espaço." 

Com os feitos, a atleta espera agora aumentar a divulgação da marcha atlética e incentivar os investidores a olharem também para o atletismo. "Eu só pude ir a Londres graças a ajuda de particulares. Sem o auxílio do meu treinador Samir Sabadin, e de outros amigos patrocinadores, não teria conseguido nada. Sou professora de História e vivo do meu salário. A bolsa para atletas que eu recebia está atrasada há 14 meses", conta. 

Nascida em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, ela acredita que não foi coincidência ter esta data como seu dia de aniversário. "Na história do atletismo as mulheres sempre tiveram que lutar para ganhar espaço e mostrar sua capacidade. Desta vez não foi diferente. Nos últimos anos meu foco não era obter recordes na marcha dos 50 km, mas consolidar mais esta conquista feminina no esporte."

Rubia Pimenta/Divulgação - Edilaine Rech (de óculos escuros) não busca mostrar apenas o potencial da mulher na marcha atlética, ela usa o esporte também para mudar a vida de muitos jovens

A vida como prova de superação

Natural de Santa Mariana, Edilaine Rech tem mais que feitos esportivos para contar: sua vida é uma prova de superação. Aos quatro anos ela sofreu um grave acidente com queimaduras. "Brincava com meu irmão de fogueira e meu vestido pegou fogo", lembra. A pele da canela e posterior da coxa literalmente colaram, fazendo com que Edilaine tivesse que ficar dois anos na cadeira de rodas.
"Foi cerca de um ano na UTI e, depois, um longo tratamento, com cirurgias e fisioterapia, para ir aos poucos conseguindo estender a perna. Quando voltei para a escola, andava com os joelhos flexionados e tinha cicatrizes grandes nas pernas. Sofri muito bullying, fui uma criança isolada", lembra.

Na mesma época de seu acidente, Edilaine sofreu uma grande perda. "Minha mãe saiu de casa, abandonando a mim e meus cinco irmãos. Ficamos sozinhos com meu pai", conta. Como o pai trabalhava em propriedades rurais distantes, Edilaine ficou alguns anos morando em casas de diferentes famílias.

Perto dos 10 anos a garota já conseguia caminhar normalmente e mudou-se para Cornélio Procópio. Aos 12 passou a viver definitivamente com o pai. "Ele foi meu grande incentivador no esporte. Os médicos haviam recomendado que praticasse algum exercício. Como eu gostava de esportes individuais, optei pela corrida".

Foi em Cornélio que ela teve contato com a Marcha Atlética, por conta de uma atleta da cidade. "Eu a via marchando e achava lindo. Disse ao meu treinador da época que queria praticar, mas ele não deixou. Dizia que quem treinasse marcha não servia para nada. Mas eu fiquei apaixonada, e acordava 6h para treinar escondida", lembra.

Ela participou da primeira competição de Marcha Atlética aos 17 anos, sem o conhecimento do treinador. "Era um campeonato estadual e fiquei em 2º lugar. Quando voltei com a medalha, o diretor do projeto determinou que eu treinasse a marcha".

A partir de então ela teve de vencer um dos maiores desafios de sua vida: usar shorts. "Eu não vestia nada curto, pois tinha vergonha das minhas cicatrizes, que eram muito evidentes. Mas a marcha tem que ser feita de shorts, pois a calça esquenta e atrapalha o movimento. Eu me vi então num dilema: o amor pelo esporte ou o meu complexo por conta das minhas cicatrizes".

Ela não teve dúvida e optou pela marcha. "Eu passava na rua treinando e as pessoas ficavam olhando. Aos poucos fui superando tudo e passei a encarar com naturalidade. Essas cicatrizes são parte da minha história e ajudaram a me tornar a pessoa que sou hoje".

Ela diz que sua trajetória lhe fortaleceu, trabalhando o espírito de superação, essencial para as competições. "A marcha de 50 km exige muito mais do que técnica e preparo físico de alto nível, é preciso também grande autocontrole. Talvez todas essas marcas, no fim, tenham me dado o diferencial psicológico e físico que me possibilitaram concluir essa prova tão penosa.

da Folha de Londrina


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