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Norte do Paraná
Postado dia 24/12/2018 às 13:15:21
Com ajuda de voluntários, venezuelanos encontram recomeço em Londrina
“Eu, minha esposa e minha filha estávamos bem fracos. Na Venezuela, perdi cerca de 20 kg e a minha esposa, 15 kg. Não passávamos fome, mas a alimentação não era suficiente. Teve dias que comíamos apenas mandioca e feijão”, o relato emocionado é do venezuelano Francisco Antônio Fernandez.
Ele, a esposa e a filha de 23 anos chegaram a Londrina, no norte do Paraná, no dia 17 de abril deste ano. Os três deixaram tudo o que tinham para trás: família, casa, empregos, falta de assistência médica, de medicamentos, de alimentos e incertezas econômicas para buscar melhores condições de vida.
“A situação se tornou difícil. Quando tínhamos dinheiro para comprar alimento, precisávamos enfrentar filas enormes, e quando chegava a nossa vez de comprar já não tinha mais nada. Depois, tinha comida, mas o dinheiro não dava”, conta Silvana Matilde Sumoza de Fernandez.
Fernandez conta que, quando começou a ter problemas de saúde, a família então decidiu que era o momento de ir embora do país.
Para recomeçar, os três, assim como outros dezenas venezuelanos, contaram com a ajuda voluntária da Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia e da Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová.
Sensibilizados com a situação da população do país vizinho, integrantes da congregação de Londrina e de cidades da região se uniram para trazer famílias da Venezuela para o Paraná. Atualmente, 23 imigrantes contam com a ajuda do grupo.
Os voluntários conseguiram casas para essas famílias morarem gratuitamente, buscaram doações de móveis, de utensílios domésticos, de alimentos e também mobilizaram empresários e arranjaram empregos para todos os adultos.
“O meu medo era onde iríamos viver. Quando chegamos aqui e nos levaram para a casa onde moramos, fiquei impressionada. Eu e minha filha ficamos emocionadas. Também me preocupei com o idioma, mas quando descobrimos que a congregação tinha como base a língua espanhola, falei: vamos!”, diz Silvana de Fernandez.
No Brasil, pai, mãe e filha trabalham com carteira assinada em um supermercado na região norte de Londrina, e em oito meses recuperam os quilos perdidos.
Francisco e Silvana Fernandez, problemas de saúde por não conseguirem comer o suficiente
Acolhida brasileira
O casal Lissethe de Pire e Julio Pire também decidiu deixar a Venezuela quando não conseguiu comprar remédios, já que Julio é diabético, e suprir necessidades básicas da casa.
Há três anos, Lissethe trabalhava em uma farmácia e, assim que a situação econômica do país vizinho piorou, passou a vender roupas e calçados, e Julio, que era professor de ensino fundamental, virou motorista de aplicativo.
“Até que não deu mais. O preço de um pneu do meu carro era mais alto que o preço do próprio carro. Então, decidimos que era hora de ir embora”, conta Julio.
O casal, que tinha contato com brasileiros por causa da igreja, viajou para Roraima, onde recebeu o incentivo para vir para o Brasil. Voltaram para casa e três semanas depois receberam o convite para mudar para Londrina.
“Tínhamos uma moto e um carro. Vendemos o carro e algumas coisas que podíamos vender para poder pagar a viagem até Roraima, mas deixamos a nossa casa lá. De Roraima, viemos para Londrina. Achávamos que teríamos dificuldade na adaptação, mas a acolhida foi excelente, nos sentimos muito felizes morando e trabalhando em Londrina”, conta Lissethe.
Em Londrina, Julio foi conferecista de uma fábrica de xampu e, atualmente, trabalha como motorista de um supermercado. Lissethe trabalha no caixa da mesma empresa.
Julio e Lissethe trabalham, com carteira assinada, em um mercado
Ajuda
Os voluntários ainda ajudam os venezuelanos com a documentação necessária para os estrangeiros morarem legalmente no país, usufruindo de todos os direitos disponíveis aos brasileiros.
Depois de pedirem o visto, os imigrantes solicitam identidade, CPF, carteira de trabalho e o cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). As crianças e adolescentes ainda são matriculados em escolas.
Com tudo regularizado, o grupo de voluntários ainda paga luz, água e gás dos venezuelanos por três meses. Esse é o período previsto para os imigrantes se adaptarem ao emprego e à comunidade.
“A pessoa tem total autonomia de permanecer conosco, no trabalho que sugerimos para ela e na casa. Se desejar, pode buscar outra casa ou emprego”, conta o advogado Bruno Camilo.
Vida com filhos
O apoio oferecido faz a diferença na vida de quem passou por dificuldades, como no caso também da família Medrano.
Família Medrano deixou a vida difícil no campo na Venezuela para viver em Londrina
Rosiane e Ewer Medrano deixaram a vida no campo para dar um futuro melhor aos filhos Eiver e Ever. Eles moraram um período em Boa Vista e, quando o dinheiro que tinham acabou e sem emprego sobreviviam de doações de cestas básicas, surgiu o convite para se mudarem para Londrina.
Ewer foi admitido em uma loja de materiais de construção, onde trabalha na área de serviços gerais, e Rosiane fica em casa cuidando de um dos filhos. O mais velho, Ever, frequenta uma escola municipal.
“Estamos muito felizes aqui. O idioma foi um pouco difícil, mas já entendo bem, estou muito agradecido pela oferta de trabalho, pela paciência dos companheiros de trabalho, pelas pessoas que nos receberam aqui, pelas professoras que recebem o meu filho muito bem. São pessoas de grande coração”, conta Ewer.
Membros da Congregação Testemunhas de Jeová de Londrina e região ajudam famílias de venezuelanos a se estabelecerem no Brasil — Foto: Luciane Cordeiro/G1 PR
Viver no Brasil
Felizes no Brasil, os venezuelanos não pensam em voltar para o país de origem. Em terras brasileiras eles encontraram tranquilidade e voltaram a planejar o futuro.
“A verdade é que a vida na Venezuela era bonita, mas não imaginamos voltar. Quando falamos com as famílias choramos de saudade, mas aqui nos sentimos muito felizes. O carinho dos brasileiros nos fortalece”, conta Rosiane Medrano.
“Temos saudade de tudo o que deixamos, da família, mas é um privilégio estar aqui. Imagino que estaremos vivendo tranquilamente, relativamente felizes, pagando aluguel de uma casa, tendo um serviço e com um carro. Imaginamos vivendo entre essas pessoas maravilhosas que são os brasileiros”, diz Francisco Antonio Fernandez.
“Não queremos ir embora do Brasil. Pensamos em comprar a nossa casa aqui, ter a nossa família aqui. Londrina é muito bom de morar”, enfatiza Lissethe de Pire.
O trabalho voluntário faz a diferença. “Ver um sorriso, ver famílias com crianças já estabilizadas, crianças na escola, retomando o cotidiano depois de ter passado por tantas coisas, é uma satisfação muito grande”, disse a venezuelana.
Venezuelanos no Paraná
Além de Londrina, há venezuelanos espalhados por todo o Paraná recebendo ajuda de iniciativas voluntárias.
Em Goioerê, no noroeste do estado, o projeto Brasil Sem Fronteiras dá suporte para 83 venezuelanos. Sessenta deles chegaram em setembro, e os demais em novembro.
No município, moram em uma chácara Aldeia SOS até que estejam estabelecidos e ganhando dinheiro para se sustentar. Enquanto não conseguem dar esse passo importante, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) ajuda o projeto financeiramente para atender as necessidades do grupo.
De acordo com o coordenador do Brasil Sem Fronteiras em Goioerê, Luiz Marcos Medeiros Carvalho, 35 imigrantes estão trabalhando com carteira assinada. Trabalham em pizzaria, supermercado, lojas e em uma cooperativa. Outros 23 adultos trabalham informalmente.
Atualmente, dez famílias, cerca de 29 pessoas, deixaram a chácara e moram em casas que elas mesmo alugaram.
“A comunidade abraçou a causa e essas pessoas estão recomeçando. A prefeitura também ofereceu cursos de português para os mais velhos e ajudou a matricular crianças e adolescentes nas escolas”, explicou Luiz Marcos.
O projeto social que foi pensado para funcionar por quatro meses, deve atender venezuelanos até julho de 2019.
do G1