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Postado dia 01/09/2021 às 13:53:06

Monumento de Niemeyer em homenagem a MST causa discórdia no Paraná

O dia 2 de maio de 2000 era para ser o do primeiro ato de Claudemar Oliveira como militante do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). Na época, ele tinha 15 anos, morava num assentamento em Florestópolis (PR) e resolveu embarcar num dos 40 ônibus de uma caravana que viria a Curitiba pedir ao governo crédito e terra.

Na manhã daquele dia, entretanto, a Polícia Militar bloqueou a passagem da caravana quando ela estava a 20 km da capital. O bloqueio cumpria ordem judicial expedida a pedido do governo paranaense, que não queria que os sem-terra acampassem em Curitiba. Eles, então, aglomeraram-se na estrada.

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Oliveira se lembra que os militantes tentaram negociar a passagem dos ônibus. Sem sucesso, resolveram marchar até Curitiba. Quando começaram a caminhar, cantando, policiais avançaram.

"Foi bomba de gás, tiro de bala de borracha e até tiro de arma de fogo mesmo", conta. "Eu corri, caí, fui pisoteado, mas alguém me levantou. Muita gente se feriu, caiu, foi mordida por cachorro."

Durante a confusão, um militante do MST morreu. Antônio Tavares tinha 38 anos e cinco filhos. Ele foi atingido por um tiro disparado em direção ao chão, mas que ricocheteou e pegou em sua perna. Tavares teve uma hemorragia e não resistiu.

Um ano depois da morte de Tavares, um monumento em sua homenagem, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, foi inaugurado no local do confronto entre sem-terra e policiais. Vinte anos depois, a obra é tema de uma discórdia e corre risco de ser demolida. Já Oliveira virou advogado e trabalha pela preservação do monumento. "Queremos que ele seja tombado para que passe a ser protegido pelo Estado", afirma.

Empresa cedeu terreno, mas quer de volta

O monumento a Antônio Tavares é uma espécie de totem feito de concreto. Tem cerca de 12 metros de altura. Sua parte de baixo é mais estreita — nela está gravado "MST", em letras vermelhas. A parte de cima é mais larga. Lá, há um vão em formato de um homem de braço erguido segurando uma foice.

Quem sai de Curitiba de carro sentido interior do Paraná pela BR-277 avista o monumento pouco antes de chegar a Campo Largo (PR), do lado direito da estrada. Ele foi instalado logo depois das saídas que dão acesso à sede da empresa Postepar, que produz postes e outros artefatos também de concreto.

A área em que o monumento está instalado, aliás, pertence à Postepar. Depois que Antônio Tavares morreu e Niemeyer se dispôs a projetar uma obra em sua homenagem, movimentos sociais procuraram a empresa para que ela autorizasse a construção na parte do seu terreno a qual ela não ocupa. Ela topou.

Em 2001, a Postepar assinou um contrato de comodato (empréstimo gratuito) com sindicatos e entidades. O contrato tinha prazo de cinco anos e seria prorrogado automaticamente por mais cinco caso nenhuma das partes envolvidas se manifestasse.

Ninguém se manifestou até 2016. Naquele ano, a Postepar resolveu pedir seu terreno de volta para ampliar o pátio para manobra de caminhões da empresa. Acontece que, quando ela se posicionou, o contrato acabara de ter sido prorrogado por mais cinco anos. A Postepar, então, avisou e deixou registrado que, em 2021, não haveria nova renovação. O monumento teria mesmo que sair dali.

"O contrato está rompido oficialmente desde 21 de fevereiro", explica o advogado Antonio Pedro Taschner Júnior, representante da Postepar. "A empresa precisa daquela área para carregar postes grandes que ela produz."

Taschner Júnior é o único que fala pela Postepar sobre a discórdia acerca do monumento. Prático e objetivo, ele nega qualquer relação política com a disputa. Reclama só do estado de conservação da obra e não vê grande importância nela.

"A morte de Tavares não foi exatamente ali. O local não é tão simbólico assim", afirmou. "E o monumento está abandonado. Ninguém corta nem o mato em volta do local."

'Querem apagar a história'
Já Roberto Baggio, da direção nacional do MST, só vê política na decisão da empresa.

"O monumento ocupa uma área de cerca de 4 metros quadrados. Não atrapalha ninguém", diz. "Lá atrás, a empresa viu o que aconteceu com os militantes e se sensibilizou. Hoje, vê a onda extremista, neofacista, pela qual passa o país e não quer mais ter um símbolo de luta contra a violência policial e de Estado em seu terreno."

Baggio também estava na estrada rumo a Curitiba e viveu o confronto com policiais em maio de 2000. Ele diz que aquele dia marcou o fim de uma década de repressão aos sem-terra. Segundo ele, nesse período, 19 militantes do movimento foram mortos, inclusive durante ações da polícia para reintegração de posse de áreas ocupadas.

"O monumento denuncia essa violência. Está lá para lembrar que um trabalhador foi morto pela polícia. Quem não quer o monumento quer apagar a história", diz Baggio.

O MST está mobilizado para manter o monumento a Antônio Tavares onde está. O movimento pediu à Corte Interamericana de Direitos Humanos a proteção da obra. Em 24 de junho, a corte, numa decisão liminar, acatou o pedido.

A decisão liminar foi anexada a um processo para eventual tombamento da obra em tramitação na prefeitura de Campo Largo, município cujo território abrange a área do monumento. Questionada sobre o andamento do processo, a prefeitura não respondeu. À imprensa paranaense, ela já aventou a possibilidade de transferir a obra para outro local — o MST é contra.

"Queremos que a obra seja tombada, que sua área seja desapropriada e que a empresa seja indenizada", explicou o advogado Oliveira. "Não queremos que a Postepar seja prejudicada, mas o monumento é simbólico e histórico. Deve ser preservado."

Na quinta-feira (26), a reportagem esteve no monumento. De fato, ele tem sinais de abandono e até de vandalismo. A base de concreto da obra está corroída. Há também fuligem bem na área em que está a sigla "MST".

Segundo Baggio, em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, tentaram colocar fogo no monumento. Não se sabe quem teria cometido o ato.


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