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Postado dia 20/10/2010

Para ex-presidente argentino, Brasil de Lula age como "potência" na política externa

Fernando de la Rúa elogiou diplomacia, mas criticou atuação sobre Irã, Honduras e Cuba

 


 

Natacha Pisarenko/23.03.2004/AP

O ex-presidente argentino Fernando de La Rúa, que governou o país durante
um período de grave crise econômica e não completou o mandato;
ele está no Brasil para participar de um seminário de relações internacionais



Em dezembro de 2001, a Argentina viveu o trágico desfecho de uma grave crise econômica que vinha se desenhando desde o início do ano. Um dos personagens centrais daquele momento foi o então presidente da República, Fernando de la Rúa. Enfrentando uma grande insatisfação popular, ele renunciou ao cargo e deixou a Casa Rosada - sede do governo argentino - a bordo de um helicóptero.

Na Praça de Maio, no mesmo instante em que o helicóptero partia, milhares de pessoas protestavam contra medidas impopulares que haviam sido adotadas por seu último ministro da Economia, Domingo Cavallo. A mais famosa delas foi o chamado corralito, que impediu os argentinos de tirar dinheiro de contas bancárias. O objetivo era evitar uma corrida aos caixas, o que deixaria o sistema bancário argentino sem recursos ante à crise econômica vivida pelo país.

De la Rúa está no Brasil para participar de um seminário de relações internacionais em São Paulo, promovido pelas Faculdades Integradas Rio Branco.

Em entrevista exclusiva ao R7, o ex-presidente lembrou os momentos dramáticos que marcaram o fim de seu governo, defendeu uma maior cooperação entre Brasil e Argentina e opinou sobre a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para ele, sob Lula, a política externa brasileira ganhou traços de uma "potência". De la Rúa elogiou o trabalho do presidente para fazer do Brasil um país de projeção mundial, mas fez ressalvas em relação a alguns temas: o acordo sobre o programa nuclear iraniano, a mediação na crise política hondurenha e o posicionamento em relação aos direitos humanos em Cuba.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

R7 - O Brasil está em pleno processo eleitoral. Em 2011, será a vez de a Argentina escolher um novo presidente. Tanto o governo quanto a oposição discutem possíveis candidaturas. De que forma o senhor está acompanhando esse processo?
De la Rúa - Estou à margem. Eu me retirei da política e estou à margem da concorrência eleitoral. Está de um lado o governo, o casal Kirchner, e do outro a oposição: uma [parcela da oposição] é a União Cívica Radical (UCR), e a outra é o peronismo dissidente. Ainda estão em processo de seleção de seus candidatos. Por isso, ainda não há uma liderança nítida. Não há pesquisas de intenção de voto. O índice de aprovação dos Kirchner é negativo, o que faz alguns pensarem que eles vão perder a eleição.

R7 - A presidente Cristina Kirchner vive um confronto com alguns dos principais meios de comunicação do país, como o grupo Clarín. O senhor crê que há na Argentina alguma ameaça à liberdade de imprensa?
De la Rúa - Em uma democracia, é insólito este enfrentamento com os meios de comunicação. Há coisas que precisam ser corrigidas, mas o grande risco é que se avance na direção de um sistema de imprensa concentrado no governo, um poder oficial sobre as comunicações. Isso pode ocorrer por meio da recente lei de meios [aprovada no ano passado], da concessão de novas licenças de rádio e televisão a amigos, e da aparição de jornais com publicidade oficial para dar a palavra ao governo. No Brasil, vi que há uma discussão do Lula com os meios de comunicação, dos meios com Lula. Na Venezuela, isso se vê todos os dias. Eu vivi uma experiência especial. Fui muito atacado pela imprensa, com ofensas e mentiras, e tolerei sempre a liberdade de imprensa. Os meios [de comunicação] abusam, mas tolerar até o abuso é essencial para a democracia.

R7 - Qual é a sua opinião sobre a política externa do Brasil sob o governo do presidente Lula?
De la Rúa - Fico encantado com o tanto que ele viajou, porque isso é fazer a integração do Brasil com o mundo. Não entendo algumas decisões unilaterais, como a proposta com o Irã, ou a forma de uma intervenção tão direta em Honduras. Creio que falta uma defesa mais firme dos direitos humanos em relação a Cuba. Estes são passos. Vê-se a continuidade da política do Itamaraty, mas vê-se indícios de políticas independentes, próprias de uma potência, como passou a ser, a oitava economia do mundo. Esses passos não saíram bem, esses poucos passos. De resto, está bem.

R7 - Hoje, há muitas empresas brasileiras investindo na Argentina. Qual é a importância do nosso país para o seu?

De la Rúa - O Brasil é o grande motor da economia do Cone Sul. Por isso, vemos com admiração, simpatia e até com orgulho de irmãos o crescimento do Brasil. Ao mesmo tempo, esse crescimento nos beneficia, porque tem um efeito expansivo para a nossa economia, aumenta a importação de automóveis, de autopeças. Só tenho que lamentar que, por erros do governo [argentino], não tenham mantido as exportações agrícolas. O Brasil desenvolveu agora um grande setor agrícola de gado, é o principal produtor de alimentos do mundo, lugar que antes era ocupado pela Argentina. Juntos, podemos ser os principais provedores do mundo, isso já marca a importância da região. E é preciso pôr o Mercosul como prioridade.

R7 - Em 2011, terão se  passado dez anos desde a crise que afetou a Argentina e culminou no fim do seu governo. Qual avaliação o senhor faz desta última década? O país reencontrou seu caminho?
De la Rúa - A crise de 2001 se deu por uma soma de fatores. Eventos internacionais adversos, a atitude contrária do FMI [Fundo Monetário Internacional], o afã do justialicismo [peronismo] por retomar o poder. Conjugou-se tudo isso. Diferentemente do diálogo que se viu no Brasil, entre [Fernando Henrique] Cardoso e Lula, ou no Uruguai, entre Jorge Battle e Tabaré Vázquez. Na Argentina, deu-se um golpe civil. O peronismo conseguiu provocar a queda do governo. Em seguida, desvalorizaram [a moeda], foi um desastre. Desvalorizaram de uma maneira que caiu o PIB [Produto Interno Bruto], o salário. Mas, em pouco tempo, seis ou sete meses, começaram a se recuperar os preços internacionais. Quando há crises, se sai das crises. Mas não se sai bem quando há quem queira tomar o poder e fazer uma revolução para enfrentar a crise. Temos essas práticas más.

R7 - O senhor tem planos de tentar se eleger novamente para algum cargo político?
De la Rúa - Não, não. Estou fora, já fiz tudo o que um político pode fazer. Há um momento em que não se deve voltar. Temos que aprender a ir embora. Eu disse que iria e cumpri. Posso dizer que fiz o melhor que pude, dentro das difíceis circunstâncias, o país teve essa má sorte que conspirou contra o meu governo. Se superássemos a ponte da crise financeira imediata, faríamos uma troca da dívida, poderíamos deixar a convertibilidade [política de paridade entre a moeda argentina e o dólar] e viria a recuperação dos preços internacionais. E quem iria presidir a recuperação seria eu, e não o [ex-presidente Néstor] Kirchner.

 

http://noticias.r7.com/internacional/noticias


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